
Reforma Tributária sobre Consumo e Serviços Financeiros
Com a implementação da Reforma Tributária sobre Consumo, alguns setores seguiram com metodologias diferenciadas de apuração de IBS/CBS dadas as particularidades de suas operações. Assim, a Lei Complementar n. 214/25 (“LC214”) definiu regimes especiais de tributação, permitindo a adoção de padrões diferentes para incidência dos tributos quando enquadrada a atividade do contribuinte nas exceções legais.
O Capítulo II, da LC214, introduz regime especial de tributação aos serviços financeiros (e.g.; operações de crédito e câmbio; factoring; arranjos de pagamento; seguros e resseguros). As diretivas não vinculam as instituições financeiras per se, mas, sim, os serviços financeiros prestados - ressaltando que não se faz necessário que tais serviços sejam prestados por pessoa jurídica sob supervisão do Sistema Financeiro Nacional (Conselho Monetário Nacional, Conselho Nacional de Seguros Privados e Conselho Nacional de previdência Complementar), mas o mero enquadramento da atividade exercida no rol previsto pela LC214, inclusive pessoas físicas e não apenas jurídicas.
Como é sabido, o setor é remunerado, a grosso modo, por dois tipos centrais de receitas pela prestação de serviços: (i) tarifas ou comissões e (ii) spread. Historicamente - e a despeito de todos os conflitos ventilados pela jurisprudência sobre o tema - as tarifas e comissões eram alcançadas pelo ISS e as operações envolvendo spread estariam dentro do campo de incidência do IOF. Por seu turno, tanto as tarifas e comissões, quanto o spread seguiam tributadas por PIS/COFINS, especialmente no regime cumulativo.
As tarifas ou comissões correspondem às remunerações decorrentes de prestações de serviço diretas ao cliente das instituições, como emissões de talões de cheque, transferências bancárias, manutenção das contas e saques; por sua vez, a remuneração via spread ocorre via intermediação de recursos entre tomadores e poupadores, configurando-se como a diferença positiva entre o valor pelo qual o bem foi fornecido ao consumidor final e aquele utilizado para aquisição deste.
A diferenciação supra é relevante na medida em que há disposição expressa (art. 184, da LC214) de que serviços financeiros prestados por instituições financeiras bancárias (e.g.; bancos; caixas econômicas) e instituições de pagamento, cuja remuneração se dê mediante tarifas ou comissões, estarão sujeitos ao regime geral do IBS/CBS – independentemente da existência do regime especial, o qual deverá encampar, tão somente, as prestações de serviço remuneradas via spread. Desta forma, tais instituições poderão apresentar tributação mista de suas receitas.
Tal distinção legal pode ser justificada pelo fato de que a remuneração por spread é situação peculiar aos serviços financeiros - não se identificando semelhança em demais operações, agora, alcançáveis pelo nosso novo VAT. Interessante trazer que a sujeição dos serviços financeiros à tributação do consumo apresenta intrincada experiência internacional, que acaba, por muitas vezes, por não se sujeitar ao Imposto de Valor Agregado (“IVA”) ou, ao menos, gozar de ampla isenção.
A isenção acima, entretanto, gera desvantagem em relação aos demais contribuintes, visto que paralelamente à não tributação destes serviços pelo IVA, as instituições financeiras não detêm meios de recuperar integralmente o valor do IVA incidente sobre os serviços contratados na execução de suas atividades (e.g.; marketing; backoffice), implicando, consequentemente, na majoração dos custos desses serviços.
Tal problemática foi endereçada em consulta pública pela União Europeia em 2020/21 (cujas resoluções ainda não foram formalizadas), na qual ressaltou-se que muitas instituições financeiras e de seguros buscavam contornar a impossibilidade de recuperação do IVA por meio de contratos de cost-sharing com pessoas jurídicas capazes de proceder com a recuperação do tributo pago na aquisição de bens e serviços – prática que teria sido rechaçada pela Corte de Justiça da União Europeia em análise ao art. 132 (1) (f) da Diretiva de IVA.
Uma das soluções propostas para dirimir o problema seria a reforma da legislação do IVA na União Europeia para que a isenção das instituições financeiras fosse destinada apenas às operações de crédito, incidindo a tributação costumeira sobre serviços remunerados por meio de tarifas - à semelhança da diferenciação realizada pelo legislador brasileiro ao instituir a tributação em regime geral a tais atividades e em regime especial para os serviços remunerados por spread.
Potencialmente a escolha pela adoção de regime especial para os serviços financeiros decorreu da análise das problemáticas enfrentadas no bloco europeu e em demais jurisdições.
Retornando ao Brasil, a definição de um regime especial e, por sua vez, sua segregação em diversos subregimes, busca (i) contornar a impossibilidade total de creditamento do IBS/CBS sobre a aquisição de bens e serviços pelos contribuintes, bem como (ii) permitir correta a identificação do valor agregado na respectiva operação (objeto da tributação) e das respectivas deduções legalmente previstas, estabelecendo diferentes métricas para definição do valor tributável em cada tipo de atividade financeira.
A sistemática estabelecida, ademais, em muito se aproxima à tributação pelos PIS/COFINS não-cumulativos, na qual toda a receita bruta da empresa figura como base de cálculo à tributação, autorizando-se deduções e/ou apuração de créditos previstos em lei - curiosamente, instituições financeiras não podem optar pela tributação por tal regime, sendo vedada a apuração de créditos dos tributos sobre a aquisição de bens ou serviços considerados essenciais em suas atividades.
Válido destacar, no entanto, que a despeito da cumulatividade, a Lei n. 9.718/98, já trazia hipóteses de exclusão do faturamento a ser alcançado pelo PIS/COFINS, já delineando, individualmente por tipos de serviço financeiro, certo detalhamento do que deveria ou não compor a base de cálculo das contribuições – ainda que tais redutores não contassem com a clareza necessária, implicando em diversas discussões relevantes perante nossos Tribunais, como o próprio Tema 372, do Supremo Tribunal Federal; o alcance das contribuições sobre os juros das reservas técnicas; ou mesmo a qualificação precisa de operação de intermediação financeira com possível alcance aos correspondentes bancários, cuja tese do contribuinte vem sendo vencida perante o Superior Tribunal de Justiça.
Ainda, seria possível traçar paralelos entre o regime especial dos serviços financeiros e a própria legislação do imposto de renda, uma vez que, para ambos, há ampla base de cálculo dos tributos, assim como rubricas dedutíveis - as quais podem compreender, inclusive, perdas com inadimplência (coloquialmente ainda chamados de PDD). Tal semelhança, porém, cinge-se na medida em que a possibilidade de dedução decorre de lista taxativa prevista na LC214, enquanto há regra geral para o IRPJ e para CSLL, autorizando-se a dedução de despesas consideradas normais ou usuais às atividades da pessoa jurídica.
Apesar do advento da reforma tributária e a alteração dos tributos incidentes sobre as operações a partir de 2026, a priori, o art. 233, da LC214, teria buscado manter a carga tributária sobre o consumo de serviços financeiros, definindo que os débitos de IBS/CBS devidos sobre as operações deverão corresponder à média de débitos tributários referentes a PIS/COFINS, ISS, IPI(!) e ICMS(!) sobre a totalidade das receitas auferidas a mesmo título nos anos de 2022 e 2023 - excluídas as tarifas e comissões, que seguiriam no regime geral de IBS/CBS.
Desta forma, a regulamentação da reforma tributária, embora destinada à promoção de simplificação e equilíbrio tributário entre as unidades federativas, deverá, ao menos nos primeiros anos de sua implementação, gerar maior custo e esforço dos contribuintes para fins de conformidade fiscal – cabendo às instituições financeiras e demais contribuintes alcançados pelo regime especial, além das obrigações acessórias já existentes, seguir com a prestação das informações sobre operações prevista do art. 191, da LC214.
O custo de conformidade, potencialmente, será ainda mais relevante para instituições de pagamento e prestadoras de serviços de ativos virtuais, visto que estas pessoas jurídicas, até o momento, não dispunham do mesmo número de obrigações acessórias se comparadas com as instituições financeiras – que já não lhe eram poucas.
Para maiores esclarecimentos entre em contato com nosso time: Waitman & Skolimovski Advogados.