Tema 914 – STF – CIDE Tecnologia

Tema 914 – STF – CIDE Tecnologia

Nos últimos dois dias, assistimos o aquecido debate instaurado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal (“STF”) durante o julgamento do Tema 914, que decidirá acerca da (in)constitucionalidade da CIDE prevista pela Lei n. 10.168/2000 (“L10168”), também chamada de CIDE-Tecnologia ou CIDE-Royalties.

Em sua leitura resumida do voto, o Min. Relator Luiz Fux posicionou-se a favor da constitucionalidade da contribuição, rechaçando teses há tempos ventiladas pelo contencioso tributário relativas à violação ao princípio da isonomia, à reserva de lei complementar, à ausência de referibilidade entre o contribuinte e o beneficiário da contribuição, à ausência de competência da União para instauração da contribuição e a verificação de bis in idem.

No entanto, questão relevantíssima foi trazida a lume, com detalhamento destacado pelo Min. Presidente Luís Roberto Barroso, acerca da materialidade do fato gerador da CIDE. Ainda que tênue a distinção do debate relativo à referibilidade, a questão central não se reporta ao alcance ou não de determinado setor pelo benefício trazido pela arrecadação da CIDE, mas, sim, o limite de alcance do §2º, do art. 2º, da L10168, incluído pela Lei n. 10.332/2001 (“L10332”). Ou seja, a temática não se refere à discussão acerca da necessidade de referibilidade direta da arrecadação da CIDE em beneficiar determinada empresa ou seu setor econômico, mas endereça a própria ocorrência do fato gerador.

O campo de incidência da CIDE foi esclarecido pelo §2º, de forma a abranger aqueles que (i) contraíssem do Exterior serviços técnicos e de assistência administrativa ou (ii) pagassem, creditassem, entregassem, empregassem ou remetessem royalties, a qualquer título, ao Exterior. A discussão gira em torno da possibilidade desse “novo” dispositivo legal alcançar operações cujo objeto esteja dissociado de qualquer acesso à tecnologia (como exemplificados durante o julgamento: a cessão de direitos autorais e serviços jurídicos – além da utilização de marcas, embora este caso não tenha sido citado pelos Ministros).

Conforme destacado no voto do Min. Relator, o §2º não poderia trazer complementação da hipótese de incidência da contribuição de forma a marginalizar o seio da própria L10168 (que trata de desenvolvimento tecnológico), especialmente por inaugurar novos fatos geradores via inclusão de parágrafo no art. 2º. Parágrafo este que, expressamente, em sua primeira parte, faz remissão estrita ao caput.

Sobre a questão, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), quando do julgamento do Recurso Especial n. 1.642.249/SP, ao bem abalizar os limites das espécies de royalties trazidas pelo §2º, do art. 2º, da L10168, destacou a necessidade de que os contratos objetos do fato gerador da CIDE detivessem vínculo com a tecnologia, conforme se excertos do voto condutor a baixo reproduzidos:

“Com efeito, o fato gerador da CIDE - Remessas é haver pagamento a residente ou domiciliado no exterior a fim de remunerar (art. 2º, caput e §§2º e 3º, da Lei n. 10.168/2000):

a) A detenção da licença de uso de conhecimentos tecnológicos (art. 2º, caput, da Lei n. 10.168/2000);

b) A aquisição de conhecimentos tecnológicos (art. 2º, caput, da Lei n. 10.168/2000);

c) A "transferência de tecnologia" (art. 2º, caput e §1º, da Lei n. 10.168/2000) que, para este exclusivo fim, compreende: c.1) a exploração de patentes (art. 2º, §1º, primeira parte, da Lei n. 10.168/2000); ou c.2) o uso de marcas (art. 2º, §1º, primeira parte, da Lei n. 10.168/2000); ou c.3) o "fornecimento de tecnologia" (art. 2º, §1º, segunda parte, da Lei n. 10.168/2000); ou c.4) a prestação de assistência técnica (art. 2º, §1º, terceira parte, da Lei n. 10.168/2000);

d) A prestação, por residentes ou domiciliados no exterior, de serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes (art. 2º, §2º, primeira parte, da Lei n. 10.168/2000);

e) a remessa de royalties, a qualquer título, derivados das situações anteriores, onde a remuneração corresponde à paga pela exploração de direitos autorais percebida por terceiro que não o autor ou criador do bem ou obra (art. 2º, §2º, segunda parte, da Lei n. 10.168/2000 c/c art. 22, "d", da Lei n. 4.506/64) (...)

Desse modo, se o objetivo principal da norma é estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, à toda evidência, o tributo deve penalizar a utilização interna (em todas as suas vertentes) da tecnologia desenvolvida no exterior. Nessa ótica é que deve ser interpretado o art. 2º e os demais dispositivos da mesma lei.” (g.n.)

A conclusão acima poderia decorrer da interpretação da própria Lei Complementar n. 95/1998 (“LC 95/98”), a qual dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis brasileiras e norteia o trabalho do legislador pátrio. O art. 11, inc. III, alínea “c”, da LC 95/98, determina que as normas sejam redigidas de forma clara, precisa e seguindo uma ordem lógica. Os parágrafos apresentam função de complementar a regra prevista no caput de um artigo ou, ainda, dispor sobre características específicas de uma determinada norma, trazendo exceção à regra estabelecida anteriormente. E, aqui, nem se tome a interpretação de que o §2º configuraria regra de exceção ao caput, tal qual possibilitado pelo trecho final do art. 11, inc. III, alínea “c”, da LC 95/98. Isso porque:

(i) o §2º estabelece vínculo direto com o caput do art. 2º, fazendo referência expressa à “contribuição de que trata o caput deste artigo”, conferindo-lhe caráter de estrita complementariedade e ficando, portanto, restrito às limitações de incidência originalmente estabelecidas no caput;

(ii) caso, de fato, se tratasse de norma de exceção ao caput, imprimir-lhe-ia restrição de alcance da hipótese de incidência da contribuição, prevendo clara norma de operações isentas, como é o realizado pelo §1º-A, que afasta a cobrança da CIDE sobre a distribuição de programas de computador em que não se verifica a transferência de tecnologia, ao remeter ao fato gerador trazido pelo caput do art. 2º.

Assim, o voto do Min. Relator Luiz Fux denota que “tecnologia” e “conhecimentos tecnológicos” (termos trazidos na L10168 para delinear o fato gerador desta contribuição) referem-se a um conjunto de instrumentos, técnicas e know-how desenvolvidos por método científico voltado à indústria para resolução de determinado problema, em suas mais diversas vertentes (da indústria pesada à alta tecnologia, da indústria da computação, à biotecnologia ou à farmacêutica).

Outro ponto interessante, tangenciado rapidamente durante o julgamento, remete ao fato de que alíquota de 10% da CIDE seria trazida legislativamente em momento de desoneração do IRRF na mesma proporção, reduzindo-a de 25% para 15%.

Tal racional é verificável dada a previsão do art. 3º, da Medida Provisória n. 2.159-70/2001 (“MP2159”), que reduz “para quinze por cento a alíquota do imposto de renda incidente na fonte sobre as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas ao exterior a título de remuneração de serviços técnicos e de assistência técnica, e a título de róialties, de qualquer natureza, a partir do início da cobrança da contribuição instituída pela Lei nº10.168, de 29 de dezembro de 2000 [Lei da CIDE]”.

No entanto, é válido destacar que a regra geral de retenção na fonte para serviços pagos ao Exterior segue a alíquota de 25%, conforme previsto no art. 7º, da Lei n. 9.779/1999 (“L9779”), desde sua redação original, sendo os serviços técnicos exceção à norma, conforme expressamente consta do final da redação do art. 746, do Decreto n. 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda - RIR/18). Neste momento, sequer está-se a referir à seara de aplicação dos tratados para evitar a dupla tributação, especialmente em sua modelagem mais recente, como aquela firmada com o Reino Unido.

A análise da natureza do serviço, a fim de verificar se este configura ou não como técnico, para averiguação da alíquota aplicável, é por vezes endereçada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), como ocorrido no emblemático julgamento que culminou no acórdão 1401-004.270.

Ainda, particularmente aos direitos autorais (reiteradamente mencionados no julgamento do STF), válido destacar que o art. 72, da Lei n. 9.430/96 (“L9430”), desde sua redação original, previa que “as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas para o exterior pela aquisição ou pela remuneração, a qualquer título, de qualquer forma de direito” estariam adstritas à retenção de apenas 15% de IRRF. Ou seja, contariam com previsão de alíquota própria, não havendo qualquer vinculação para redução específica por conta da promulgação da Lei que instaurara a CIDE.

O julgamento foi suspenso após proferimento de dois votos. Conforme ata da sessão, o Min. Relator julga constitucional a CIDE (considerando todas as alterações promovidas pelas L10332 e Lei n. 11.452/2007), mas propõe o entendimento de que “não se inserem no campo material da contribuição as remessas de valores a título diverso da remuneração pela exploração de tecnologia estrangeira, tais quais as correspondentes à remuneração de direitos autorais, incluída a exploração de softwares sem transferência de tecnologia, e de serviços que não envolvem exploração de tecnologia e não subjazem contratos inseridos no âmbito da incidência do tributo”.

O segundo voto colhido durante a sessão de julgamento, do Min. Flávio Dino, segue o Relator a fim de confirmar a constitucionalidade da CIDE. Todavia, se opõe à ressalva reproduzida no parágrafo anterior, relativa ao elemento de conexão da remessa à contrapartida de um serviço ou cessão de direito que envolva tecnologia. Ainda que não se tenha acesso formal ao voto do Ministro, a expressa oposição ao Relator para casos particularmente debatidos no julgamento (a exemplo dos direitos autorais), que por ora poderiam ser considerados obiter dictum, é registrada na ata da sessão, em que se faz constar, categoricamente, o não acolhimento à exceção trazida pelo Ministro Fux.

A previsão de retorno à pauta de julgamento é na próxima quarta-feira (04.05.2025), sessão na qual se espera que os demais Ministros apresentem seus votos. Considerando a modulação de efeitos sugerida pelo Min. Relator, contribuintes que tenham interesse em discutir a tese poderiam ainda buscar o Judiciário para o ajuizamento de ações próprias para resguardar seu direito. No entanto, não descartamos possibilidade de que haja revisitação dos termos sugeridos para modulação de efeitos que, porventura, poderia afastar a pretensão daqueles que ajuizarem eventual ação nesta semana.

Note-se, que, considerando o teor da discussão, a corrida ao Judiciário não deve se restringir apenas aos contribuintes que operam contratos com acesso à tecnologia do exportador, mas também àqueles que utilizam serviços ou são cessionários de direitos que não guardam qualquer vínculo tecnológico na operação respectiva – análise que deve ser feita caso a caso em cada contrato firmado com parceiro estrangeiro.

Para mais esclarecimentos, entre em contato com nosso time: Waitman & Skolimovski.