
Tributação das receitas decorrentes de benefícios fiscais de ICMS: estado atual da discussão

Juliana Skolimovski
11/14/2024
As discussões acerca da tributação das receitas reconhecidas pelas empresas em virtude de benefícios fiscais de ICMS (como créditos presumidos, isenções, reduções de base de cálculo ou alíquotas) remontam há décadas, mas ainda se encontram longe do fim.
O tema possui grande relevância, uma vez que referida tributação onera em 43,25% as receitas decorrentes dos benefícios de ICMS, quando contabilizados o IRPJ, a CSLL, o PIS e a COFINS.
Historicamente, ainda sob a vigência do Decreto 1.598 de 1974 (“D1598”), a doutrina e jurisprudência distinguiam os benefícios dados pelos Estados da federação como (i) transferências de capital (receitas que poderiam exigir contrapartidas dos contribuintes): não tributáveis; e (ii) transferências de renda (receitas que não exigiriam contrapartida dos contribuintes): tributáveis. A diferenciação entre essas duas transferências, contudo, não obedecia a critérios legais claros e objetivos, o que gerou grande contencioso acerca de sua distinção.
Com a edição da Lei n. 12.973 em 2014 (“L12973”), foram estabelecidos requisitos legais para diferenciar esses dois tipos de transferências, as quais passaram a ser denominadas (i) subvenções para investimento e (ii) subvenções de custeio. As (i) subvenções para investimento, não tributáveis, correspondiam àquelas concedidas pelos Estados como estímulo ao investimento empresarial, devendo ser registradas à conta de reservas de lucros e utilizadas somente para a absorção de prejuízos ou aumento do capital social. Por seu turno, as (ii) subvenções de custeio, tributáveis, correspondiam àquelas que não atendessem aos critérios das subvenções para investimento.
Não obstante o estabelecimento de tais requisitos legais para distinção entre as subvenções, a jurisprudência, principalmente a administrativa, continuou a exigir critérios adicionais para sua diferenciação. Para caracterização da subvenção de investimento, exigia-se, por exemplo, que o investimento fosse direto, no exato valor recebido, em medidas de implantação ou expansão da atividade econômica; que fosse direcionado à aquisição de ativo imobilizado utilizado na atividade operacional; e que o benefício fiscal fosse concedido regularmente pelo Estado concedente (com aprovação pelo CONFAZ).
Tendo essa problemática em vista, foi editada a Lei Complementar n. 160 de 2017 (“LC160”), que determinou, em síntese, que os benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados são considerados subvenções para investimento, sendo vedada a exigência de outros requisitos além daqueles previstos na L12973.
Duas correntes interpretativas surgiram acerca dessa nova disposição. A primeira, sustentada pelos contribuintes e pela maior parte da doutrina, compreendeu que a LC160 encerrou a distinção entre subvenções para custeio e para investimento, presumindo-se todas as subvenções de ICMS como de investimento fossem e, portanto, não alcançáveis por IRPJ/CSLL e PIS/COFINS. Nesse cenário, o único critério a ser observado pelo contribuinte era o de registro das receitas em conta de reservas de lucro (para absorção de prejuízos ou aumento do capital social), nos termos da L12973, sendo vedados os outros requisitos impostos pela jurisprudência.
A segunda corrente, defendida pelas autoridades fazendárias e por uma parcela minoritária da doutrina, compreendeu que a LC160 não extinguiu a diferenciação entre subvenções para investimento e para custeio. Afirmando-se que a única alteração promovida pela LC160, seria a vedação dos requisitos impostos pela jurisprudência para caracterização das subvenções para investimento. Ainda restaria diferenciar, portanto, os benefícios fiscais de ICMS concedidos como intuito de promover o investimento direto ou de, meramente, reduzir carga fiscal.
Paralelamente a essa discussão, muitos contribuintes buscaram o Judiciário demonstrando que a exigência tributos federais sobre qualquer subvenção de ICMS é inconstitucional, uma vez que (i) fere o pacto federativo, visto que a União estaria reduzindo o resultado financeiro dos benefícios concedidos pelos Estados; e (ii) viola as hipóteses de incidência do IRPJ/CSLL/PIS/COFINS, posto que as subvenções não se enquadrariam no conceito de receita tributável.
As discussões acima chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) e o Supremo Tribunal Federal (“STF”).
O STF, em julho de 2017, analisando a inclusão de subvenções concedidas por meio de créditos presumidos de ICMS na base de cálculo de IRPJ/CSLL (RE n. 1.052.277), entendeu se tratar de matéria infraconstitucional, não apreciando a questão ao declinar sua competência.
O STJ, por sua vez, em novembro de 2017, também analisou caso referente a créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ/CSLL (EREsp n. 1.517.492), e, de forma contrastante, reconheceu sua inconstitucionalidade, em virtude da ofensa ao pacto federativo. Referido processo chegou a ser remetido ao STF, via recurso extraordinário, sendo não conhecido por ausência de repercussão geral, dada a suposta infraconstitucionalidade da matéria tratada.
Em um novo capítulo da discussão, o STF, em 2021, afetou o Tema n. 843 de repercussão geral (vinculante a todos os contribuintes), relativo à incidência de PIS/COFINS, ainda pendente de conclusão do julgamento. Este caso também tem como objeto os créditos presumidos de ICMS e, em plenário virtual, chegou-se a formar maioria pela inconstitucionalidade da sua tributação, por seis votos a cinco. Houve pedido de destaque, o que interrompeu a votação, que deverá ser reiniciada em plenário físico, sendo mantidos os votos dos ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski – todos em favor do contribuinte –, em virtude da aposentadoria dos ministros, não podendo seus sucessores na Corte alterarem seu posicionamento.
Quanto à tributação dos demais benefícios de ICMS e a alteração promovida pela LC160, o STJ, em 2023, julgou o Tema n. 1.182 em sede de recursos repetitivos (também, aplicável a todos os contribuintes), que fixou seu entendimento sobre as matérias. Em primeiro lugar, firmou-se o entendimento de que somente a exigência de IRPJ/CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS seria inconstitucional (não se pronunciando sobre PIS/COFINS); em segundo, manifestou-se que a L160 promoveu a equiparação das subvenções de custeio às de investimento, de modo que, para que qualquer subvenção não seja tributada, basta a observância dos critérios da L12973 (registro em reserva de lucros para absorção de prejuízos ou aumento do capital social).
A distinção apresentada pelo STJ quanto aos créditos presumidos dos demais benefícios baseou-se em dois argumentos: (i) os créditos não seriam futuramente recuperados na cadeia produtiva, diferentemente dos outros benefícios fiscais, em virtude do princípio da não-cumulatividade; e (ii) tais créditos constituiriam grandeza positiva inserida no patrimônio dos contribuintes, enquanto os demais benefícios constituiriam grandezas negativas. Esse entendimento foi bastante criticado pela doutrina, uma vez que não afasta os argumentos de violação ao pacto federativo, tampouco de não caracterização de receita tributável.
Por fim, no final de 2023, foi editada a MP 1.185 (“MP1185”), posteriormente convertida na Lei n. 14.789 (“L14789”), que instituiu a cobrança de IRPJ/CSLL e PIS/COFINS sobre todas as subvenções de ICMS, somente possibilitando a tomada de crédito de IRPJ de 25% em relação às subvenções reconhecidamente para investimento (conforme uma série de requisitos estipulados no mesmo texto).
Duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs n. 7.551 e n. 7.604) foram ajuizadas contra essa nova sistemática (a primeira endereçando a MP e a segunda, a Lei), repisando os argumentos de inconstitucionalidade já amplamente ventilados na sistemática anterior. Além disso, foi questionada, em específico, a previsão de incidência de IRPJ/CSLL e PIS/COFINS sobre as subvenções notadamente para investimento, antes não tributadas no direito brasileiro, por reconhecidamente não se enquadrarem no conceito de receitas tributáveis.
A jurisprudência atual divide-se em dois cenários:
Com relação aos créditos presumidos de ICMS, os tribunais regionais federais têm aplicado o entendimento vinculante firmado pelo STJ, no Tema n. 1.182, sendo inconstitucional a incidência de IRPJ/CSLL. Quanto o PIS/COFINS, verifica-se a existência de decisões já aplicando a impossibilidade de sua incidência no caso, quanto também a suspensão do julgamento até o deslinde do Tema 843 do STF;
Aos demais benefícios de ICMS (como isenções, reduções de base de cálculo e de alíquota), ainda que tenha havido a concessão de medidas liminares para afastar a tributação, verifica-se suas revogações em prolação de sentença, pautando-se no Tema n. 1.182.
A discussão tende a ser ampliada, uma vez que significativas alterações sobre o tema foram trazidas pela L14789 (discutidas nas ADIs n. 7.551 e n. 7.604), havendo novo campo de debate para os contribuintes. Ademais, ainda pende de julgamento o Tema n. 843 do STF acerca da tributação por PIS/COFINS, que poderá substancialmente modificar a jurisprudência atual.
Entendemos que o ingresso de medida judicial pode ser fazer relevante até mesmo para aqueles contribuintes que, atualmente, se enquadram na L14789 para aproveitamento do crédito de IRPJ sobre as suas subvenções para investimento. Isso pois a tributação de CSLL e PIS/COFINS ainda onera referidos valores, havendo bons argumentos para defender sua inconstitucionalidade.
Nesta seara, questão relevante que poderá ser levada aos Tribunais refere-se à regulamentação do adicional de CSLL (Pilar 2 – expressamente mencionado na Exposição de Motivos da MP1185, convertida na L14789), considerando o impacto redutor na tributação da renda quando não alcançados os valores dos benefícios fiscais de ICMS.
Destaca-se, também, que o ajuizamento de ações individuais dos contribuintes visaria a restituição dos valores recolhidos no passado, pois: (i) existe a possibilidade de, em futuras decisões do STF, mesmo diante de resultado desfavorável ao contribuinte, seja determinada a sua modulação de efeitos para que passe a valer somente para futuro (sendo resguardados os direitos de restituição de valores indevidamente recolhidos no passado para os contribuintes que ajuizaram ações individuais); e (ii) caso haja decisão que reconheça a inconstitucionalidade da tributação sem modulação de efeitos, o contribuinte que não com ingressou com ação somente poderia restituir os tributos indevidamente recolhidos nos 5 (cinco) anos anteriores ao pedido de restituição/compensação.
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