
MP 1.303/25: Nova hipótese de compensação “não declarada” e os créditos de PIS/COFINS sobre insumos
Em meio às diversas alterações promovidas no tratamento e tributação de rendimentos financeiros e criptoativos, a Medida Provisória n. 1.303/2025 introduz, também, relevante inovação de natureza processual que tende a dificultar a compensação de créditos de PIS e COFINS apurados sobre insumos utilizados nas atividades empresariais dos contribuintes.
O art. 64 da MP acrescenta a alínea “h” ao §12, do art. 74, da Lei n. 9.430/96, ampliando o rol de hipóteses em que a declaração de compensação (“DCOMP”) será considerada “não declarada”, incluindo a situação em que o crédito utilizado pelo contribuinte “não guarde qualquer relação com a atividade econômica do sujeito passivo”. A redação subjetiva transfere à autoridade fiscal discricionariedade para desconsiderar a compensação quando entender que o crédito pleiteado não se vincula estritamente à atividade econômica exercida.
Nesta hipótese, a compensação não será apenas indeferida — como ocorreria por meio da tradicional não homologação da DCOMP —, mas será formalmente considerada como não apresentada. Essa qualificação gera efeitos substanciais: a DCOMP perde eficácia jurídica, os débitos compensados tornam-se imediatamente exigíveis, e o contribuinte se sujeita à incidência de multa de ofício de 75% ou 100% (conforme chancelado pelo Parecer SEI n. 2.674/2023) e de juros pela taxa SELIC. Ademais, há risco de inscrição no CADIN e de impedimento à emissão ou renovação de certidões de regularidade fiscal.
Há, ainda, questão relevante no que tange à limitação imposta ao exercício do contraditório.
A Lei n. 9.430/96, nos §§ 7º e 9º, do art. 74, assegura ao contribuinte a possibilidade de apresentar manifestação de inconformidade face a não homologação de DCOMP. Não há previsão legal de recurso específico contra a decisão que a qualifique como “não declarada”, o que permite ao contribuinte, unicamente, recorrer à via do recurso hierárquico previsto na Lei n. 9.784/99 - procedimento que não se submete ao rito do Decreto n. 70.235/72, não enseja a suspensão da exigibilidade nos termos do art. 151, III, do CTN, e tampouco assegura a possibilidade de acesso ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – ainda que o acesso ao duplo grau de jurisdição esteja salvaguardado pela hipótese do art. 56, §1º, da Lei n. 9.784/99 e art. 145, da IN. 2.055/21.
A nova hipótese de compensação considerada “não declarada” permitiria concluir que a análise primária do Auditor Fiscal será definitiva quanto à qualificação dos créditos pleiteados, a priori, impossibilitando que o contribuinte comprove, ainda na esfera administrativa, a essencialidade e relevância dos itens classificados como insumos.
O histórico da matéria evidencia o elevado grau de litigiosidade que a classificação demanda. Após anos de intensas disputas nas esferas administrativa e judicial, apenas em 2018 o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp n. 1.221.170/PR, sob a sistemática dos recursos repetitivos, consolidou entendimento de que o conceito de “insumo”, para fins da legislação do PIS/COFINS, não corresponde nem à interpretação restritiva aplicável ao IPI, nem àquela mais ampla própria do IRPJ. Adotou-se análise intermediária, baseada nos critérios de essencialidade e relevância do bem ou serviço no processo produtivo, inclusive sugerindo-se o uso do teste de subtração, a fim de aferir sua importância concreta na atividade do contribuinte.
Ainda que a decisão do STJ tenha sido, em tese, favorável aos contribuintes, na prática não pacificou a controvérsia. Mesmo após o trânsito em julgado, o reconhecimento do crédito demanda nova etapa contenciosa no âmbito da Receita Federal, com exigência de farta documentação comprobatória da essencialidade e relevância — como pareceres técnicos, relatórios contábeis e documentos fiscais. Em diversos casos, a discussão alcança a Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”), sendo comum a exigência, pela administração tributária, de documentos referentes a aquisições realizadas há décadas, o que compromete significativamente a efetivação dos créditos validados.
Diante desse cenário, surge o risco de que a nova hipótese de “não declaração” da DCOMP venha a impedir que discussões legítimas sobre a qualificação de insumos cheguem à esfera contenciosa formal, impossibilitando ao contribuinte o direito de exercer o contraditório e a ampla defesa na instância administrativa.
Desta forma, questiona-se o futuro da discussão quanto ao creditamento sobre insumos – sem perder de vista, por óbvio, o progressivo fim das contribuições ao PIS/COFINS com o advento da reforma tributária - visto ser matéria com ampla recorrência no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e que implica diretamente na concretização da não cumulatividade das referidas contribuições.
A nova previsão legal comprometeria diretamente o direito à apuração de créditos não cumulativos previsto no art. 3º das Leis n. 10.637/02 e 10.833/03, haja vista não permitir o litígio relativo às classificações controvertidas. Da jurisprudência do CARF vê-se que muitas rubricas costumeiramente entendidas como não creditáveis pela autoridade de origem, são validadas após exposição de arcabouço documental e demonstração de essencialidade e relevância pelos contribuintes, a exemplo dos paradigmáticos acórdãos n. 3201-005.668 e 9303-012.426.
A tendência, portanto, é que a definição do que “guarda relação com a atividade econômica” fique restrita ao juízo unilateral da autoridade fiscal, esvaziando os critérios objetivos e subjetivos fixados pelo STJ. O universo de insumos passíveis de compensação poderá se reduzir, na prática, àqueles previamente chancelados em Soluções de Consulta da COSIT ou em súmulas do CARF.
Caberá, portanto, ao contribuinte acompanhar de perto a tramitação da MP e sua eventual conversão em lei, avaliando estratégias de mitigação de riscos e de eventual judicialização. Diante de eventual manutenção da redação atual, não se descarta o surgimento de teses voltadas à constitucionalidade da medida, especialmente sob o prisma da violação aos princípios do contraditório, da legalidade e da segurança jurídica.