Série "O futuro da Tributação de Cripto": Consulta Pública BACEN n. 111/2024

Série "O futuro da Tributação de Cripto": Consulta Pública BACEN n. 111/2024

Com a popularização dos criptoativos, muitas companhias têm substituído sua sistemática de pagamentos e recebimentos internacionais pela remessa e permuta de criptomoedas. Como um dos fatores decisivos para esta escolha, tem-se o fato que este tipo de transação é quase instantâneo (em oposição ao prazo de até 7 dias demandado pelas transações tradicionais), com isso, empresas que optam por este tipo de transação poderiam vislumbrar maior disponibilidade de caixa e de capital de giro para suas operações.

Apesar da recente popularização das criptomoedas e sua adoção para a operacionalização de transações internacionais, em horizonte próximo, o Banco Central do Brasil (“BACEN”) deve vir a homologar novas regras e regulamentações setoriais, de forma a fornecer cenário regulatório e jurídico mais seguro e previsível. Nesse sentido, foi aberta a Consulta Pública BACEN n. 111/2024, com vistas a regulamentar a atividade das Prestadoras de Serviço de Ativos Virtuais (“PSAVs”) - ou como comumente nomeadas Virtual Asset Service Providers (“VASPs”).

A minuta de Resolução, apresentada em conjunto ao Edital de Consulta Pública pelo BACEN, propõe alterações às Resoluções n. 277/2022 (mercado de câmbio e a entrada e saída de recursos no País), n. 278/2022 (capital estrangeiro no País) e n. 279/2022 (capital brasileiro no Exterior).

As alterações mais significativas propostas pela minuta centram-se na Resolução BACEN n. 277/2022, visando incluir, dentre as operações de câmbio reguladas pelo BACEN, também, as transações comerciais, cujo pagamento se realize por criptoativos, bem como operações próprias de compra, venda, troca ou custódia de criptoativos entre não-residentes ou entre nacionais negociando criptoativos denominados em moeda estrangeira.

Nesse sentido, destacamos as propostas de regulamentação mais relevantes para o cenário nacional:

1. A necessidade de registro das PSAVs

A proposta de Resolução indica a necessidade de registro das PSAVs junto ao BACEN para funcionamento e para operação própria no mercado de câmbio.

Conforme previsto no art. 1º da Lei n. 14.478/22, as PSAVs dependem de autorização prévia para operação, assim, a partir da vigência de eventual resolução decorrente da Consulta Pública n. 111, as PSAVs já ativas deverão solicitar, simultaneamente, autorização para funcionamento e para operar no mercado de câmbio. Elas poderão operar a compra, venda, troca ou custódia de ativo virtual denominado em moeda estrangeira e/ou em reais de não-residente até a conclusão do processo de autorização.

2. Vedações a transferências a cold wallets

As cold wallets são carteiras de criptoativos autocustodiadas - isto é, são mantidas pelos indivíduos fora de corretoras. A minuta do normativo veda a transferência de (i) ativos virtuais para cold wallet de não-residentes e (ii) stable coins de moeda estrangeira para cold wallets.

Este é o ponto mais popularmente questionado do normativo (considerando o número expressivo de contribuições, ou mesmo críticas diretas à redação sugerida), figurando como objeto de maior número de contribuições à consulta pública até o momento.

Em síntese, os usuários alegam que as regras afrontariam a natureza descentralizada dos criptoativos, posto que obrigariam sua custódia em PSAVs autorizadas; ademais, alega-se que, justamente em virtude da natureza descentralizada dos criptoativos, as normas são de difícil aplicação, uma vez que os holders poderão passar a usar VPNs ou PSAVs estrangeiras.

3. Procedimentos de Know Your Custumer (“KYC”) e Prevenção de Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (“PLD/FTP”)

Os dispositivos sugeridos estabelecem regras para identificação do cliente, contraparte, razão e natureza das operações realizadas. Em caso de recebimento de valores de carteira autocustodiada no Exterior, as PSAVs deverão conhecer a origem de tais valores e, no caso de pagamento ou transferência internacional, identificar a razão da remessa.

Nas transações internacionais, o cliente da PSAV deverá prestar informações acerca do pagador ou recebedor no Exterior e seu vínculo com este (conforme Anexo VI, da Resolução n. 277). Referidas regras poderão ensejar que as PSAVs adotem os tradicionais mecanismos de compliance de KYC e PLD/FTP.

4. Restrições às stable coins

Stable Coins são criptoativos, cujo valor se baseia em variações de valor de moedas tradicionais, tratando a minuta de resolução em duas hipóteses:

(i) em se tratando de stable coins representativas de reais, as PSAVs deverão se certificar que o cliente opera em interesse próprio e não de terceiros, e

(ii) em relação às stable coins representativas de moedas estrangeiras, somente serão autorizadas em transferências dos ativos (a) entre residentes, na hipótese de previsão legal ou regulamentar, para estipulação de pagamento em moeda estrangeira; (b) entre instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio; e (c) entre prestadoras de serviços de ativos virtuais e de ativo virtual denominado em moeda estrangeira de titularidade de um mesmo cliente.

5. Prestação de informações por operação

Em caso de publicação da Resolução sem alterações no texto proposto, as PSAVs passarão a ser obrigadas a prestar informações das operações realizadas até o dia 5 (cinco) do mês subsequente ao de cada operação - em síntese, são exigidas informações básicas da operação (data, valor, ativo, finalidade, recebedor etc.) e posição atual do cliente.

Quanto às Resoluções Bacen n. 278/2022 e 279/2022, a proposta limitou-se a incluir previsão de que as resoluções passarão também a abarcar as operações que envolvam transmissões de criptoativos e não somente transações em moeda tradicional.

Observa-se que a normativa proposta busca aproximar o tratamento regulatório e legal conferido às PSAVs e àquele já vinculante às instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio tradicional - não por outra razão, a proposta do BACEN é a mera alteração e adição de dispositivos da Resolução BACEN n. 277 para prever, também, as operações realizadas com os ativos virtuais.

Tal medida mostra-se relevante, pois demonstra que a posição, potencialmente, a ser adotada pelo Brasil em relação aos criptoativos seja de lhes assemelhar às moedas estrangeiras, demandando conversão frente ao real.

Além das propostas de regulação já formalizadas pela minuta da Resolução, o Edital também apresenta questionamentos a serem debatidos pela população e PSAVs em geral, dispondo, majoritariamente, sobre os limites e estruturas a serem adotados para a regulação do mercado de criptoativos:

  1. Haveria necessidade de estabelecimento de limites adicionais para as PSAVs em operações de prestação de serviços de ativos virtuais no mercado de câmbio, além dos constantes da proposta?

  2. Quais mecanismos poderiam ser empregados para obtenção do valor dos criptoativos em moedas tradicionais (reais ou dólares americanos)?

  3. Como as PSAVs poderiam verificar se sua contraparte no Exterior estaria sujeita à regulação e supervisão em sua respectiva jurisdição?

  4. Em quais pontos a regulamentação de capitais estrangeiros no País e brasileiros no Exterior, inclusive operações de crédito, deve alcançar as operações com criptativos com o propósito de investimento?

  5. Qual papel as PSAVs poderiam desempenhar nas operações de fluxos e estoques de capitais internacionais, inclusive em operações de investimento de não-residente em portfólio (e.g.; na função de representante)?

Da leitura dos questionamentos acima, poder-se-ia depreender que o BACEN busca identificar, junto aos agentes do mercado, o grau de regulamentação mais adequado para promover segurança jurídica e financeira sem prejudicar o setor. Isso porque o mercado compartilha do interesse em oferecer maior segurança aos investidores, sem, no entanto, prejudicar as vantagens inerentes à tecnologia (com preferência à autocustódia).

Tais perguntas, ademais, não são objeto de questionamento apenas no Brasil, mas pontos controvertidos e discutidos nas demais jurisdições que buscam a adequada regulação de criptoativos e o oferecimento de tratamento tributário às novas formas de obtenção de renda.

Ao longo da nossa série de informativos, debateremos estas e outras questões que irão afetar diretamente àqueles que desejam operar e custodiar criptomoedas no Brasil e Exterior.

Fique atento às próximas partes da nossa série e, para mais esclarecimentos, entre em contato com nosso time: Waitman & Skolimovski Advogados.

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