Série "O futuro da Tributação de Cripto": WIP das regras internacionais sobre criptoativos – Basileia IV

Série "O futuro da Tributação de Cripto": WIP das regras internacionais sobre criptoativos – Basileia IV

Prosseguindo nossa série sobre o Futuro da Tributação de Cripto, neste artigo traremos nossas impressões iniciais sobre work in progress (“WIP”) das regras internacionais, especialmente regulatórias, que vêm se desenhando acerca das operações envolvendo criptoativos.

Diversas organizações internacionais já apresentaram potenciais medidas para regulamentação no tratamento das criptomoedas, destacando-se o Fundo Monetário Internacional (“FMI”), o G20 (integrado pelo Brasil), o Conselho de Estabilidade Financeira (“FSB”), Organização Internacional de Valores Mobiliários (“IOSCO”) e, em especial, a União Europeia (“UE”).

Destaca-se, nesse sentido, a entrada em vigor, neste ano, do Regulamento de Mercado de Criptoativos (“MiCA”), que visa a regulação de três tipos de criptoativos: (i) criptofichas referenciadas a ativos (ativos referenciados a valor ou direito, ou a combinação de ambos, incluindo moedas oficiais), (ii) criptofichas de moeda eletrônica (ativos referenciados em uma única moeda, servindo como meio de pagamento), e (iii) demais criptoativos.

Sobre a matéria, o FSB emitiu o relatório “IMF-FSB Synthesis Paper: Policies for Crypto-Assets", por meio do qual sinaliza os principais riscos relacionados à utilização ampla e não regulada de criptoativos, destacando-se (i) o enfraquecimento da moeda doméstica de pequenas economias, as quais poderiam ser substituídas por criptomoedas, tornando aquelas mais voláteis pela baixa utilização (a exemplo de El Salvador); (ii) novos riscos fiscais que surgem do uso dos criptoativos, especialmente em operações transfronteiriças peer-to-peer (“P2P” – ou seja, sem utilização de um servidor central); (iii) riscos prudenciais de bancos com posse disseminada de criptoativos; e (iv) eventual uso das criptomoedas para a prática de crimes como evasão fiscal, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, vista a ausência de regulamentação padronizada e rastreabilidade das operações – risco este também evidenciado pela Organização das Nações Unidas (“ONU”) no relatório “Transnational Organized Crime and the Convergence of Cyber-Enabled Fraud, Underground Banking and Technological Innovation in Southeast Asia: A Shifting Threat Landscape”.

Para a regulamentação no Brasil, a minuta de normativo da Consulta Pública BACEN n. 109 traz disposições que obrigam as Prestadoras de Serviço de Ativos Virtuais (“PSAVs”) a observarem as legislações e regulamentos já existentes relacionados à prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo (arts. 34, § 1º, inc. VI, e 37, inc. III). Essas disposições determinam que as PSAVs devem estabelecer limites de transações e saques, bloqueios temporários, além de informar operações atípicas ao BACEN ou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“COAF”).

O Comitê de Supervisão Bancária de Basileia (“BCBS”) – organização composta por diversos países, inclusive o Brasil, e destinada a estabelecer normas para a harmonização e regulação prudencial das instituições bancárias – delineou medidas que poderão ser implementadas pelos Bancos Centrais, a partir de janeiro/2026. Tratam-se de regras para garantir maior estabilidade e proteção às instituições que atuam com investimentos e operações de risco, no que se incluem os criptoativos, exceto aqueles considerados instrumentos financeiros.

A ressalva quanto aos criptoativos com equiparação a instrumentos financeiros guarda semelhança com o tratamento conferido, no Brasil, aos criptoativos tomados como valores mobiliários, que seguiriam com a regulação pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), conforme art. 1º, da Lei n. 14.478/22.

Nomeado como Basileia IV, o regramento proposto pelo BCBS prevê que bancos e instituições financeiras deverão classificar os criptoativos em dois diferentes grupos:

  • GRUPO 01: criptoativos com mesmo nível de crédito e risco de mercado que a forma não tokenizada do ativo e criptoativos com mecanismos efetivos de estabilização (stablecoins) – para este grupo, o BCBS propõe tratamento regulatório semelhante ao dos demais instrumentos financeiros tradicionais (ainda que o pareamento com moedas estrangeiras não traga obrigatoriamente risco equivalente a referida moeda); e

  • GRUPO 02: (a) criptoativos aprovados em teste de hedge [e.g.; negociados por meio de fundos derivativos/bolsa regulamentada; aprovado pelos reguladores do mercado da jurisdição, com capitalização média de USD 10 bilhões no ano anterior e dados suficientes associados (pelo menos 100 precificações no ano anterior e dados sobre volume de negociação e capitalização do mercado)]; e (b) demais criptoativos. Para o Grupo 02, é proposto tratamento mais conservador ao capital representado em criptoativos.

Considerando a potencial instabilidade dos criptoativos que integram o Grupo 2 acima, o BCBS propõe que os bancos detenham exposição máxima aos criptoativos deste grupo em 2% da totalidade de seus ativos, mas, idealmente, não ultrapassando 1% – além disso, diante da alta ponderação de risco, os bancos devem reservar garantias correspondentes a 1.250% do total de criptoativos do Grupo 2b em sua carteira.

A divisão serviria como norteadora do grau de risco assumido e exposição dos bancos comerciais a esse novo tipo de ativo.

Com a adesão do Brasil às regras de preço de transferência no modelo OCDE, para operações de instituições financeiras (ainda que não envolvendo criptoativos), algumas considerações iniciais são válidas.

Considerando a necessidade de empreendimento em análise comparativa para determinação dos preços parâmetros das operações, observar-se-ia dificuldade em localizar transações comparáveis, tendo em vista que as novas regras da Basileia IV trazem alteração significativa do capital floor. Nesse sentido, métodos pré-estabelecidos não encontrariam correspondência às variáveis dos modelos de negócio, sendo necessário recorrer ao art. 11, inc. VI, da Lei n. 14.596/23 – cuja experiência no Exterior, vinculada aos métodos Authorised OECD Approach Rules (“AOA”), tem enfrentado fiscalizações com os órgãos arrecadatórios das jurisdições.

Quanto à adoção de AOA, as distinções de alocação de risco dentro do grupo econômico também poderão afetar a metodologia final do cálculo do ajuste para fins de preço de transferência, considerando o local das jurisdições envolvidas na operação.

Além disso, formas de injeção de capital para alcançar os patamares regulatórios de lastro da Basileia IV poderiam se dar através de instrumentos híbridos de capital/dívida, que podem restringir a comparabilidade, considerando operações efetivamente arm’s length, dado risco de configuração de partes relacionadas.

Por fim, destacamos que o art. 37 da Lei 14.596/2023 prevê que as operações financeiras poderão deter regramento específico a ser emitido pela Receita Federal do Brasil (“RFB”), que poderá trazer maiores detalhes acerca das problemáticas acima destacadas.

Válido destacar, que, apesar da formalidade das diretivas, as normas do BCBS não são automaticamente vinculantes aos bancos e instituições financeiras. Assim, no Brasil, após contexto legislativo e análise pelo BACEN, poderá haver sua imposição aos bancos nacionais, total ou parcialmente.

A Basileia IV segue, portanto, com regulamentação voltada à análise da natureza do próprio criptoativo, enquanto as propostas de regulamentação em discussão no Brasil (Consultas Públicas BACEN n. 109 e 111) partiriam dos papéis dos agentes de mercado vinculados às operações com criptoativos (custodiante, corretoras e intermediárias), o que denotaria, ao menos, por ora, a diferença de foco regulatório das principais normativas nacionais e internacionais (considerando as disposições do MICA, que serão objeto de próximo artigo desta série).

Fique atento às próximas publicações da nossa série e, para mais esclarecimentos, entre em contato com nosso time: Waitman & Skolimovski Advogados.

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